segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Fantasma ideal

Vista de uma rua principal de Cracóvia, após liquidação do gueto (março 1943) "será que alguém viu tudo da vidraça"

Como são estranhos os olhares das pessoas que aguardam o começo de um espetáculo, com olhos de pedra e com a cabeça direcionada para entrada do palco, elas permanecem entre a euforia e a agonia da espera; enquanto do outro lado os instantes dilatados são feitos de frações não vividas , tomados por de certo silêncio ruidoso, uma espera levemente angustiante e suavemente tempestuosa.

Na última apresentação de Krakow´ havia uma pequena vidraça, onde dividia o campo de visão com uma dupla de malabaristas, observamos durante algum tempo, não sei bem o que eles olhavam, mas dedicava minha atenção a busca de cada detalhe, de cada rosto, que de praxe estão sorridentes e vazios. Sempre existe certo resquício de violência reprimida que acentua o aspecto fantasmagórico das platéias, enquanto observava daquela vidraça me senti um rato pequeno e curioso, logo atrás havia aqueles objetos sem significados, empoeirados e que se encontram em fundos de teatro e galpões de ensaio, de uma forma fascinante acrescentam um pouco de poesia a essa atmosfera agastada; em dado momento os malabaristas saíram para executar seu numero, então só restaram os objetos empoeirados, a platéia de fantasmas e o rato da vidraça; o tempo se dilatou ainda mais

Quantos segundos faltavam para minha entrada?

Quantos fantasmas iam me emprestar suas faces?

Em alguns momentos tinha a leve impressão de que todos da platéia sabiam que estava sorrateiramente roubando-lhes as feições, procurava, apesar de toda brutalidade dos dias, um fantasma ideal que acreditei insanamente que estaria lá apenas olhando, absorvendo qualquer sentido que pudesse adquirir meus pensamentos, colocar um pouco de leveza a essas contradições que degradam o homem e maculam seu futuro. Esse semidevaneio tomou conta de mim logo que entrei nessa cidade, pois durante algum tempo acreditei não mais passar por aquelas ruas, ver aquelas casas, observar o local onde um carro perseguido despencou, dentre outras pequenas histórias urbanas e lá estava, naquela cidade, na vidraça e esperando; buscando um detalhe infinitamente insignificante que coagulasse minhas inquietações, pois, as coisas parecem reais apenas antes de começar e depois que terminam.

Pronto, estava feito, havia sido anunciado, o espetáculo começa, lapso, lapso, palavras perdidas, objetos que ganham vida, pequenas situações, lapso, lapso, escuro e aplausos, enfim, havia terminado, todos gostaram. Observei todos os fantasmas, o ideal não estava lá e nunca estaria; alguma coisa quebrou dentro de mim no retorno ao fundo para objetos empoeirados, quando olhei o espelho lá estava ele sorrindo para mim de maquiagem borrada e cabelos destrambelhados, nenhuma reverência ou muito menos saudade e ironicamente era como se ele falasse:

-- “eu sempre estive aqui atrás de seus olhos... quem é mais real?... devemos acreditar nas suas, ou nas minhas lembranças?”


Um comentário:

  1. Somos os convidados, da primeira fileira, para assistir o espetáculo da destruição em massa. 87382736248263

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